A CABRA QUE DEVOROU O LOBO
Andava José Socas, rei lobo, pelo jardim de Alcantara, cabisbaixo, carpindo mágoas contra os pregões, de olhar mortiço e arrastando as patas, incapaz de suportar o olhar reprovador que Jesus Cristo lhe lançava lá dos lados de Almada, com aquele aperto de alma que só os verdadeiros pecadores experimentam, eis quando, de um canto negro do jardim lhe surge ao caminho a cabra M. Alice Faria Bom Leite, que muitos anos antes se tinha ocupado dos assuntos económicos do reino e agora geria uma taberna reles e mal frequentada lá para os lados de S. Caetano.
Como tal cabra fosse do seu conhecimento, por se encontrarem amiudadas vezes num lupanar em S. Bento, e tendo-a por cabra assaz sábia e dotada de dons divinatórios, cumprimentou-a, como precaução para a perigosa época depois das colheitas, em Outubro.
E, imprevidentemente, querendo experimentá-la, dirigiu-lhe estas palavras:
- Boa amiga, tu é que foste uma optima banqueira do reino, ainda agora se suspira por ti. Foste competente e honesta, pois não acabaste mais rica do que quando começaste. O povo ainda te ama.
Bem se sabendo uma cabra velha, feia e incompetente, M. Leite não se deixou enganar, logo se apercebendo das subterrêneas intenções de Socas. Manhosa como é, retorquiu:
- Obrigado, senhor. No entanto lamento, mas do senhor não posso dizer o mesmo.
José Socas, cego pela soberba, não pressentiu o logro soez, lestro respondeu:
- Ora M. Leite, faz como eu - MENTE.
Vendo M. Leite, com grande contentamento, que o seu rei tinha pouca inteligência, foi para a sua taberna vender o vinho velho e as outras murraças que abundam na sua adega, confiante que a próxima colheita de Outubro lhe trará melhores licores e abundantes lucros.
Abyssus Abyssum invocat (o abismo chama o abismo).
Consumatum est.
Laos Deo.
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